sexta-feira, 25 de julho de 2014

A teologia a favor do racismo

A LEITURA É UM BOM CAMINHO PARA MUDANÇAS


A teologia a favor do racismo

Daniel Santos

“O homem não pode fazer o certo numa área da vida enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível.”
Gandhi

Chamamos de “racismo teológico” toda a construção bíblico-teológica que tem o propósito de fundamentar ou justificar a ideia de que o negro (em nosso caso específico) é inferior ao branco.

No contexto histórico-protestante brasileiro, esse tipo de “teologia” contaminada com o preconceito etnocentrista1 surgiu juntamente com os primeiros missionários norte-americanos, oriundos dos estados do Sul. Muitos desses missionários eram membros de igrejas brancas onde, a cada seis meses, eram feitas leituras das leis estaduais que diziam que qualquer branco poderia matar um negro fugitivo sem punição alguma; que um negro receberia trinta açoites caso levantasse sua mão contra um branco cristão; que nenhum negro poderia pregar o evangelho sem o consentimento de um branco; que nenhum negro poderia aprender a ler e escrever e que ninguém poderia dar nenhum livro (nem a Bíblia) a nenhum negro.

Como resquícios da derrota na Guerra da Secessão para os estados do Norte, esses missionários eram a favor da manutenção da escravidão e afirmavam que ela era instituída por Deus como resultado da maldição imposta aos filhos de Cam.

A “base teológica” do racismo ensinava que a palavra hebraica “cam” significava “queimado”, “preto”, fazendo do filho de Noé o pai da raça negra. Numa maldição imprecada por Noé, Cam deveria ser o mais baixo dos servos (Gn 9.18-27).Daí o fato de os negros, segundo os pregadores do racismo teológico, serem excelentes serviçais. Conforme essa interpretação, os filhos de Sem e Jafé têm um “direito teológico” de se aproveitarem do trabalho dos filhos de Cam, contribuindo, assim, para a redenção daqueles que são marcados por dois “pecados originais”: o de serem filhos de Adão (pecado comum a todos os homens) e o de serem filhos de Cam (pecado específico dos africanos e negros, em geral).

Ao negro restava suportar sua miserável condição nesta terra (uma espécie de karma) enquanto aguardava sua redenção nos céus. Caso essa doutrina fosse questionada, alguns pastores apelavam para o expediente infalível da miscigenação, que alguns especulavam ser o pecado que havia levado Deus a destruir o mundo nos dias de Noé.

Esse racismo teológico não foi exclusividade das igrejas históricas.Segundo Oliveira (2004, p. 86), há vários teólogos pentecostais que ainda hoje sustentam a ideia de que o sinal posto sobre Caim, quando este matou seu irmão Abel, representava uma maldição caracterizada pela cor negra.4

O conceito teológico das igrejas neopentecostais tem contribuído para uma maior proliferação do racismo. Sua postura é eminentemente antiafro (Freire, 2005, p. 19). A doutrina da prosperidade, a batalha espiritual e a doutrina das maldições hereditárias reforçam o estigma da cor negra, como sinônimo de algo negativo ou demoníaco. Nesse aspecto, o racismo sai da esfera do conceitual-teológico e avança para a prática, a vivência e as relações eclesiais.

Na doutrina da prosperidade, o fiel é abençoado conforme a quantidade de seus bens materiais. A situação socioeconômica do negro é vista de forma simplista e racista: “é pobre porque é pecador e oriundo de um continente idólatra e praticante de bruxaria”.

Na doutrina das maldições hereditárias, o povo negro é considerado uma raça maldita, usando-se os mesmo argumentos “teológicos” já citados. Para que o negro seja livre de sua maldição é necessário que ele se desvincule de todo o seu passado histórico (origem, costumes, cultura, cosmovisão etc).

Na batalha espiritual, evidente principalmente por meio da literatura, o mal é personificado na cor preta. Em “Este Mundo Tenebroso”, de Frank E. Peretti (1991), o exército de Deus é retratado por anjos brancos e louros e o exército do diabo, por anjos pretos e negros.

As igrejas históricas e pentecostais também já manifestaram altas doses de racismo por meio da literatura, hinologia e métodos pedagógicos.

Era bastante comum (em alguns casos, ainda o é) encontrar hinos e cânticos nos quais, em determinados trechos, a palavra “negro(a)” tem conotação do mal: “as negras nuvens”, “o meu coração era preto”, “a negridão do mal”, “o negro pecado”. Um dos exemplos mais notáveis foi o da Igreja Presbiteriana Independente que no seu hino oficial, “O pendão real”, tinha uma frase racista que dizia: “os negros batalhões do grande usurpador”. Essa frase foi mudada por aquela igreja e não mais cantada dessa forma, mas algumas igrejas ainda mantêm a forma original.

A APEC (Aliança Pró Evangelização das Crianças), entidade evangelística interdenominacional presente em vários países do mundo, inclusive o Brasil, possui como principal método de evangelização infantil a utilização das cores. Sua principal ferramenta é o livro “Sem Palavras”, no qual, por meio das cinco cores (verde, dourada, branca, vermelha e preta) a mensagem de salvação é explicada às crianças. As cores são simbolizadas da seguinte forma: o verde é a nossa esperança de ir para o céu, a cor dourada representa o céu, a cor branca simboliza a pureza do coração, a cor vermelha é a representação do sangue de Jesus que nos purifica do pecado e a cor PRETA simboliza o pecado que nos levará para o inferno. Após receber inúmeros protestos, a APEC mudou a expressão “preta” para “escura”. Como o livro é muito usado por Escolas Bíblicas de inúmeras igrejas, sua correta utilização fica restrita à imaginação e capacidade de cada professor. A APEC utiliza o mesmo método didático por meio de folhetos, canetas, réguas e pulseiras.7

Concepções teológicas como essas tornam o racismo ainda mais enraizado no conceito de muitos cristãos, fazendo com que atitudes discriminatórias já não sejam tão raras dentro de algumas igrejas:

• Um pastor negro, membro de uma respeitada denominação do país, guarda alguns bilhetes anônimos que recebeu, com os dizeres: “Lugar de macaco não é no púlpito, é na bananeira!”.
• Num seminário para casais, o palestrante branco afirmou: “Jamais permitirei que minha filha se case com um negro”. Para angústia dos participantes, havia um casal inter-racial presente.
• Determinado pastor consentiu no casamento de sua filha com um negro, desde que se comprometessem a ter apenas um filho. O argumento: se passasse disso, poderia haver problemas “raciais” entre as crianças.
• Um pastor negro pentecostal ouviu de um pastor branco: “O negro não pode pregar porque tem o nariz chato, conforme ensinamentos bíblicos”.

Teologia Negra
A Teologia Negra surgiu em resposta às condições de vida dos negros norte-americanos, juntamente com o movimento denominado Poder Negro (Black Power), por volta da década de sessenta, período de maior organização e articulação do movimento a favor dos direitos do negro. Não há um líder específico que possa ser considerado o “pai” do movimento. Martin Luther King Jr. é considerado um importante precursor e também o Dr. James H. Cone, professor de teologia no Seminário Teológico da União, em Nova York, e autor de “Black Theology and Black Power” (Teologia Negra e Poder Negro, 1969) e de “God of the Oppressed” (Deus dos Oprimidos, 1975), o mais profícuo escritor dentro da Teologia Negra.

Seu discurso profundamente centrado nos ideais de libertação do povo negro revela sua estreita ligação com a Teologia da Libertação.

A Teologia Negra procura relacionar mais uma vez Deus e Cristo com o negro e seus problemas cotidianos, o que a torna essencialmente existencial. Isso está explícito na definição de Cone sobre o papel do teólogo negro. “O teólogo é, antes de tudo, um exegeta simultaneamente das Escrituras e da existência. Sua tarefa é investigar exegeticamente as profundezas das Escrituras com o propósito de relacionar aquela mensagem com a existência humana” (Cone, 1985, p. 17).

Se sua principal fonte é a experiência da vivência negra e se ela é essencialmente existencial, é possível concluir que sua forma está limitada ao contexto social e histórico de seu público alvo: os negros.

Toda teologia é “discurso humano e subjetivo” sobre Deus, um discurso que nos revela muito mais acerca dos sonhos e esperanças daqueles que falam sobre Deus do que acerca de Deus, de fato (Cone, 1985, p. 49.51). Toda teologia está relacionada a situações históricas e, por isso, é culturalmente limitada. Isso explica porque brancos e negros veem a Deus de formas diferentes. O pensamento teológico dos negros acerca de Deus está diretamente ligado ao seu contexto social da mesma forma que os pensamentos teológicos dos brancos sofrem influências de sua posição dominante. Como poderiam dois grupos tão distintos enxergarem a Deus da mesma forma? Como isso seria possível, posto que, enquanto o branco cristão europeu veio para o Novo Mundo fugindo da tirania, o negro foi trazido para cá como prisioneiro para se tornar vítima da mesma tirania? “O contexto social e histórico de alguém não apenas decide as perguntas que dirigimos a Deus, mas também o modo e ou forma das respostas dadas às perguntas” (Cone,1985, p. 24).

Cone concorda com a posição de Feuerbach de que “teologia é (antes de tudo) antropologia” (1985, p. 50) e que “o pensamento é precedido pelo sofrimento” (1985, p. 19). Ou seja, o homem não pode raciocinar acerca de Deus e de tudo o mais concernente a ele além da sua experiência social, da sua esfera de visão e da sua condição humana.

A Teologia Negra está fundamentada na forma e no conteúdo do pensamento religioso dos negros. Segundo Cone (1985, p. 65), a forma do pensamento religioso dos negros foi moldada conforme sua história repleta de extrema opressão e o conteúdo desse pensamento religioso não poderia ser outro, senão a libertação dessa opressão. Consequentemente, prática e pensamento não possuem distinção dentro do pensamento religioso dos negros porque suas reflexões teológicas sobre Deus ocorrem no mesmo espaço da sua luta pela liberdade.

Diferentemente da teologia dos brancos, acostumados ao raciocínio filosófico e teológico, a Teologia Negra se expressa por meio de histórias com profundo conteúdo libertador. Isso se dá porque os negros, na condição de escravos, tinham de trabalhar do nascer ao pôr-do-sol, não tendo tempo nem oportunidade para a arte do discurso filosófico e teológico. Assim, narrativas como a libertação do povo de Israel da tirania egípcia, da intervenção divina em favor de Daniel ou do caráter libertador da pessoa do Messias eram frequentemente utilizadas nos sermões.

Isso refletia na forma do sermão direcionado ao público negro. Ele não estava preso aos conceitos acadêmicos do evangelho de matriz branca. A liberdade revelada no evangelho pregado conforme a cosmovisão negra (formada por seu sofrimento e suas esperanças de liberdade) também se revelava no momento da sua proclamação.

A Teologia negra é, portanto, uma teologia do povo negro para o povo negro, refletindo, por meio de um exame de suas histórias, contos e ditos, sobre aquilo que significa ser negro.

O Brasil ainda não possui uma estrutura teológica exclusiva para o povo negro. Provavelmente isso seja reflexo da nossa condição histórico-sócio-cultural, já discutida nesse trabalho. Isso não significa que o assunto seja desconhecido ou não interesse aos brasileiros negros. Há evidentes sinais de um maior engajamento e de tentativas de desenvolvimento de uma Teologia Negra com a “cara” brasileira por parte de alguns líderes e militantes negros, como o pastor Marcos Davi de Oliveira, autor do livro “A Religião Mais Negra do Brasil”, Hernani Francisco da Silva, militante do Movimento Negro e co-fundador da Sociedade Cultural Missões Quilombo, e Walter Passos, teólogo, historiador e autor do livro “Teologia Preta – a revelação”, bem como de grupos como a Sociedade Cultural Missões Quilombo e o Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos, que realizou seu primeiro encontro nacional em Salvador, no mês de abril de 2007, onde foi discutido sobre “Cristianismo de Matriz Africana” e “Teologia Preta”, dentre outros temas.

Notas
1. Alexandre Brasil Fonseca chama essa “teologia contaminada” de “teologia do ‘apartheid’” e refere-se a ela como o “fazer teológico contaminado por todo o preconceito resultante de conceitos como o etnocentrismo, produzindo um cristianismo assassino e preconceituoso. Assassino, porque -- apesar de apregoar o amor e a fraternidade -- foi responsável por uma série de barbaridades. Preconceituoso, porque -- apesar de ter a igualdade como referencial -- acabou sendo o motivo para o sepultamento de uma série de culturas, como também de relações racistas no decorrer da história”. (Oliveira 2004, p. 16)
2. Ninguém se preocupava em destacar que a maldição fora pronunciada, na verdade, contra o neto de Noé, Canaã, e não contra Cam.
3. Refiro-me às primeiras denominações protestantes que chegara ao Brasil: Congregacionais, Batistas, Presbiterianas, Metodistas, Luteranas e Anglicanas. Conforme distinção feita por SILVA, H. F., em “O Movimento Negro nas Igrejas Evangélicas”.
4. Além do profundo racismo, fica evidente o grosseiro erro hermenêutico, visto que o “sinal” colocado por Deus em Caim tinha o propósito de protegê-lo, como representação da graça e do favor divinos, e não amaldiçoá-lo.
5. Denominações surgidas a partir da década de 1970 à sombra das igrejas pentecostais clássicas. Principais denominações: Universal do Reino de Deus, Renascer em Cristo, Sara a Nossa Terra, Internacional da Graça de Deus e, a mais recente dentre as demais, Mundial do Poder de Deus.
6. Cf. “Igreja e Racismo”.
7. Idem, p. 1.
8. Cf. “O Movimento Negro nas Igrejas Evangélicas”. 


• Daniel Santos, casado, dois filhos, é pastor auxiliar na Igreja Betesda do Tatuapé, em São Paulo. 

domingo, 20 de julho de 2014

CREDIBILIDADE

A igreja do presente século está passando por uma crise de credibilidade. Isto se dá por causa da diversidade de idéias existentes, que envolvem as organizações que se auto-denominam igrejas. Cada uma tem uma verdade, cada uma prega ou levanta uma bandeira dizendo: Nós temos as respostas, nós somos a solução dos seus problemas.
São tantas as informações que chegam até as casas dos espectadores que eles já não sabem para onde ir, nem tão pouco quem está certo ou errado.

Quase não se fala mais de Jesus, a prosperidade é um assunto que dá mais audiência, algo como: Aqui. Só aqui no nosso templo é que vocês serão abençoados.

Jesus e seus discípulos não se preocupavam com bandeiras ou em criar uma nova divisão na religião judaica. Eles não se preocupavam se suas reuniões estavam cheias pessoas para financiar templos suntuosos e também não se preocupavam em agradar os políticos influentes da época. A mensagem era pregada sem rodeios, Jesus deveria ser e foi sempre a mensagem principal nas palestras dos apóstolos. Era o suficiente para arrastar multidões e salvar inúmeras vidas que estavam indo para o inferno.

O amor pelas almas perdias e não por “outras coisas”foi o combustível que os moveram, o Espírito Santo os guiavam em tudo. Foi exemplo único a ser seguido em toda a história da a igreja, Deus os usou da maneira que lhe aprouve e manifestou o seu poder através de suas vidas. Eles não cobravam por sessões e as ofertas não eram impostas como vemos nos dias de hoje. O evangelho pregado não estava associado a riquezas ou condicionado a um estado social estável.


A igreja do presente século está passando por uma crise de credibilidade. Isto se dá por causa da diversidade de idéias existentes, que envolvem as organizações que se auto-denominam igrejas. Cada uma tem uma verdade, cada uma prega ou levanta uma bandeira dizendo: Nós temos as respostas, nós somos a solução dos seus problemas.

São tantas as informações que chegam até as casas dos espectadores que eles já não sabem para onde ir, nem tão pouco quem está certo ou errado.

Quase não se fala mais de Jesus, a prosperidade é um assunto que dá mais audiência, algo como: Aqui. Só aqui no nosso templo é que vocês serão abençoados.

Jesus e seus discípulos não se preocupavam com bandeiras ou em criar uma nova divisão na religião judaica. Eles não se preocupavam se suas reuniões estavam cheias pessoas para financiar templos suntuosos e também não se preocupavam em agradar os políticos influentes da época. A mensagem era pregada sem rodeios, Jesus deveria ser e foi sempre a mensagem principal nas palestras dos apóstolos. Era o suficiente para arrastar multidões e salvar inúmeras vidas que estavam indo para o inferno.

O amor pelas almas perdias e não por “outras coisas”foi o combustível que os moveram, o Espírito Santo os guiavam em tudo. Foi exemplo único a ser seguido em toda a história da a igreja, Deus os usou da maneira que lhe aprouve e manifestou o seu poder através de suas vidas. Eles não cobravam por sessões e as ofertas não eram impostas como vemos nos dias de hoje. O evangelho pregado não estava associado a riquezas ou condicionado a uma soma de valores duvidosos. Homens íntegros e fieis a Deus falavam sobre o que viviam, tinham autoridade sobre o que falavam porque era a experiência de suas vidas. Comiam do maná com as próprias mãos sem depender de ficar repetindo somente o que ouviram mais falavam de uma vida ao lado Deus ensinada por Jesus e lembrada pelo Espírito Santo.


A credibilidade era uma conseqüência da glória de Deus que acompanhava e respaldava a vida deles, a presença de Deus era algo indispensável em seus ministérios.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Negros e africanos amaldiçoados? | Ultimatoonline | Editora Ultimato



Nota de esclarecimento e repúdio quanto à suposta maldição sobre negros e africanos

A Aliança Evangélica vem a público para repudiar o uso inadequado das Escrituras Sagradas, a Bíblia, juntamente com as interpretações e afirmações daí decorrentes, especificamente as feitas quanto a supostas maldições existentes sobre africanos e negros.

Afirmações desta natureza são fruto de leitura mal feita de parágrafos bíblicos, tomados fora do seu contexto literário e teológico, que acabam por colaborar com os interesses de justificar pensamentos e práticas abusivas, contrárias ao espírito da Palavra de Deus, cujo foco está na Justiça, na Libertação e na promoção da Vida e Dignidade Humana.
O texto em questão, que tem servido de pretexto para declarações insustentáveis, tanto em púlpitos, redes sociais, na tribuna do Parlamento e até protocoladas junto à Justiça Federal, sob o manto da imunidade parlamentar, versa sobre o significado da passagem bíblica encontrada no Livro de Gênesis capítulo 9, versos 20 a 27.

Nessa passagem Noé, embriagado, despe-se e assim é surpreendido por seu filho Cam que, ao invés de manter a discrição e o respeito devidos ao pai, o anuncia aos seus irmãos; estes se recusam a ver o pai nesse estado e, sem olhar para ele, cobrem-no com uma manta. Desperto Noé, ao saber da postura de seu filho Cam, amaldiçoa seu neto Canaã, filho de Cam, destinando-lhe a servidão.

O equívoco em questão dá a entender que a maldição proferida pelo patriarca bíblico contra Canaã, seu neto e filho de Cam, atinge os seres humanos de tez negra que habitaram, originariamente, o continente africano, o que explicaria os vários infortúnios em sua história passada e presente, culminando no longo período em que foram feitos escravos no Ocidente; e que o ato de Cam em ver a nudez de seu pai, mais do que um desrespeito, indica um ato de violação sexual por parte de Cam.

Queremos salientar enfatica e categoricamente:

1. Cam teve outros filhos: Cuxe, Mizraim e Pute, e somente Canaã foi amaldiçoado.

2. Embora o comportamento inadequado descrito no texto bíblico tenha sido o de Cam, filho de Noé, o objeto específico da maldição foi Canaã, o neto de Noé. [Segundo Orígines, um dos pais da Igreja, do século 3, Canaã foi quem avisou seu pai sobre a situação do seu avô, publicando o que deveria ter mantido sob reserva]. Amaldiçoar, no senso bíblico, não determina a história, mas descreve a consequência da quebra dum princípio estabelecido pelo ato desrespeitoso; portanto, significa a percepção de efeitos e desdobramentos de um comportamento específico. Ou seja, a postura de Cam e de seu filho Canaã estabelece um padrão comportamental que resultaria numa situação de inversão paradoxal, onde alguns dentre os descendentes de Canaã se tornariam dominados e serviçais dos seus irmãos.

3. Canaã, neto de Noé, foi habitar e estabeleceu-se na região a oeste do rio Jordão, até a costa do Mediterrâneo (sudoeste da Mesopotâmia), onde os descendentes de Canaã desenvolveram práticas absurdas, inclusive o sacrifício de crianças, e não no continente africano!

4. É de entendimento entre os teólogos especialistas no Velho Testamento que a maldição profética de Noé sobre Canaã foi cumprida quando da conquista da região povoada pelos descendentes de Canaã, os cananeus, por parte dos filhos de Jacó, sob o comando de Josué há mais de três milênios.

5. A maldição proferida sobre Canaã pelo seu avô Noé significou uma percepção e discernimento sobre uma tendência comportamental de um grupo humano, antevendo o resultado de uma corrupção cultural e civilizatória específica e localizada, e em consequente servidão, e de modo nenhum faz referência à cor da sua pele.

6. Não há nada, absolutamente nada, nem neste texto bíblico em foco nem na Escritura como um todo, que indique qualquer maldição sobre negros e africanos, e muito menos algo que justifique a escravidão.

7. O texto bíblico precisa ser lido em seu contexto imediato e considerado à luz da totalidade da Escritura, como saudáveis práticas de interpretação bíblica nos ensinam. De acordo com o próprio capítulo 9 de Gênesis, verso 1 e seguintes, é indicado que o desejo de Deus e sua promessa visam abençoar, dar vida, alimento e todo o necessário para o desenvolvimento de todos os descendentes de Noé, seus filhos e de toda a família humana. A declaração divina de abençoar a Noé e seus descendentes é firme e abrangente, e não pode ser contestada ou reduzida pela declaração relativa e descritiva de Noé a respeito de seu neto.

8. Deus reafirma o desejo de abençoar a toda a humanidade, a todas as famílias da terra, raças e etnias no episódio descrito na sequência da narrativa bíblica, quando da vocação de Abrão (Genesis 12), intenção que tem seu ápice e culminância na pessoa, vida e ministério de Jesus e continuado em curso na Igreja. Em Cristo, toda maldição é destruída e uma Nova Criação é estabelecida, sendo chamados a participar deste novo concerto todas as nações, etnias, raças, povos e famílias de todas as terras e da Terra toda, sendo revogadas assim todas as maldições e oferecida salvação a todas as pessoas.

9. A alegada violação sexual de Cam a Noé não é sustentada pelo texto. A citação do texto da lei de Moisés que chama a violação de descobrir a nudez não dá suporte a tal alegação, uma vez que os verbos usados são diferentes na raiz e no significado: no primeiro caso, trata-se de observação a distância; e, no segundo caso, trata-se de ato deliberado contra outrem.

10. Toda vez, na história, que esse texto foi aventado a partir dessa hipótese vulgar, tratou-se de ato de má fé a serviço de interesses escusos, seja quando usado para justificar a escravidão de ameríndios no Brasil colonial, seja quando usado para justificar a escravidão dos africanos de tez negra, seja quando utilizado para a elaboração de sistemas legais de segregação social como o que ocorreu nos Estados Unidos, seja quando usado para justificar a política nefasta e mundialmente condenada do “apartheid”.

Tal leitura equivocada da Escritura corre o risco de ser vista como suspeita de esconder outros interesses de natureza política, econômica e de dominação social e religiosa. Não há nenhum apoio bíblico para defender qualquer maldição sobre negros ou africanos, que fazem parte, igualmente e em conjunto, da única família humana.

Lamentamos o equívoco provocado por tal vulgarização do texto bíblico, bem como a banalização quanto ao conteúdo de nossa fé, assim como repudiamos qualquer tentativa, intencional ou não, de uso inadequado do texto para quaisquer fins que não o de promover a vida, a libertação e a justiça, como a própria Escritura expressa muito bem.

Brasil, 07 de abril de 2013.

Aliança Cristã Evangélica Brasileira

Nota:
Publicado originalmente no site da Aliança.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A mídia ofuscante | Palavra do leitor | Editora Ultimato


A mídia ofuscante

Com a seguinte frase: O melhor do Brasil é o brasileiro. Vimos um partido político alcançar seu objetivo de permanecer na presidência do nosso querido Brasil. Independente de se está sendo bom ou não, esta falácia nos prova que quem tem boca fala e que tem ouvido ouve. Só que a mídia brasileira só não fala o que quer como também oculta o que bem quer. Em meio às informações desinformadas que recebemos dos meios de comunicações que são de fácil acesso, somos tentados a nos satisfazer com o prato do dia, que, quase sempre é repetitivo, de informações que chegam até nós.

O Brasil se acostumou com novelas. E como se fossem novelas, as informações nos chegam a conta-gotas e distorcidas pela opinião da emissora. Temos que admitir que é mais fácil receber o prato na mão, que se levantar para colocar as informações em dia. 
É preciso muito mais que um controle remoto para mudar esse quadro ofuscante, que nos impede de vermos o restante das informações ou da informação correta. O que acontece no mundo das mídias parece ofuscar as pessoas com seus efeitos, homens engravatados e mulheres do tempo bem vestidas e imponentes. É de impressionar. 
A Igreja precisa aprender a se desvincular dessa fábrica de ilusões, até mesmo para poder saber em que sentido orar. Nós precisamos de informações corretas e não distorcidas por organizações que não tem compromisso com o reino. A Bíblia não nos permite julgar os profetas, assim como não devemos julgar os repórteres. Mas podemos sim julgar as profecias assim como temos a obrigação de julgar as notícias que são despejadas sobre nós.

Não é apenas uma questão de inteligência, mas de obediência. Não é uma questão de sagacidade, mas de prudência.

Lembrem-se: “ Eis que vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudente como as serpentes e símplices como as pombas.”(Mt.10:16).

terça-feira, 8 de julho de 2014

O SACRIFÍCIO DA CRUZ PARTE 1

O SACRIFÍCIO DA CRUZ PARTE 1
Não se pode falar do sacrifício da cruz sem antes comentar a respeito do significado da cruz para Deus e para os homens.  E se alguém procura falar diligentemente sobre sacrifício da cruz, deve-se entrar no cerne da sua eficácia, ou seja, experimentá-lo todos os dias de sua vida.
Quanto ao seu significado, tanto para Deus e para os homens, pode-se colocar de forma bem simples, mas nem por isso o assunto perde a importância. Para Deus é a forma perfeita de se reaproximar intimamente com os homens, restaurando a comunhão perdida no Éden. Para os homens é substituição da pena que todos mereciam por carregar a herança  do pecado. O homem foi substituído na cruz por Jesus, e essa substituição foi planejada pela trindade na eternidade de Deus, mas para que o sacrifício da cruz tenha seu real efeito sobre todos que aceitam e reconhecem a necessidade de tal holocausto, é necessário se incluir cotidianamente nesta crucificação juntamente com Cristo. Isto é o que a bíblia chama de negar a si mesmo.
(Lucas 9:23) ...Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me.(A.A)

O aspecto substitutivo do sacrifício da cruz foi realizado de uma vez por todas, e este foi concretizado por Jesus. Não cabem emendas ou retificações que possa melhorá-lo ou até mesmo completá-lo. Já o aspecto inclusivo é um exercício diário executado na vida de quem deseja ser íntimo de Deus. Esta parte cabe ao homem que por sua vez precisa estar disposto a se considerar morto para o pecado e vivo para Deus.
(Romanos 6:11) Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor.(A.A)

 Engana-se o homem que pensa em apenas se manter morto para o pecado, sem se esforçar para estar vivo para Deus. Estar morto, somente morto é algo incompleto, improdutivo. Sendo assim, quem se declara estar morto para o pecado, tem de produzir frutos de quem tem uma nova vida com Cristo. É algo automático. Morre-se ali e vive-se aqui.
Assim como Cristo ressuscitou dos mortos, sendo impossível a morte o segurar por que  não lhe havia pecado, assim também é com o homem que morre juntamente com Cristo, o pecado não tem domínio sobre ele e a morte perde o efeito por que o recompensa do pecado é a morte.
(Romanos 6:4-7 e 9) De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque aquele que está morto está justificado do pecado. Sabendo que, tendo sido Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte não mais tem domínio sobre ele.

Não tendo corpo para o pecado, não há como gerar dívidas. Logo a vida se faz presente, por que a onde não há morte a vida floresce por todo lado. O sacrifício da cruz é o meio pelo qual Deus gera vida através da morte do corpo do pecado.
A cruz tem sua simplicidade quando o homem reconhece seu estado de miserabilidade e aceita à substituição de Jesus em seu favor. A mesma cruz é complexa quando, pela soberba deste mesmo homem, que tem seus olhos cegos pelo príncipe deste século, se torna loucura, uma ideia recusável e indigna de aceitação.  Pois os homens que perecem sem se dar conta do seu fim eminente, não conseguem entender a Glória que há na Cruz de Cristo, em considerar diariamente seu corpo como morto para o pecado e vivo para Deus.
(Romanos 8:11) E, se o Espírito daquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que dentre os mortos ressuscitou a Cristo também vivificará os vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que em vós habita.

 Esta glória não estar na morte do corpo e sim na nova vida em Jesus e por Jesus. É uma vida que expressa à vontade do Pai assim como Jesus tinha prazer em fazer a vontade do Pai, e os que são transformados em Cristo e vivem por Cristo, isto é, ressuscitado em Cristo, tem seu prazer em fazer a vontade do pai que está no céu. Sendo assim a morte do corpo não pode subjugar a vida que há em Cristo Jesus.
O sacrifício da cruz tem como o objetivo a vida não a morte. A morte não mais reina nos corpos mortais de quem tem a nova vida em Cristo.                
 (Romanos 6:12) Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências.

Vivamos para Ele, pois já estamos mortos para o pecado e temos vida no Filho de Deus...